sábado, 29 de novembro de 2008

Vocês.

Ah, essa raiva a qual me cerca. Tenho raiva de mim mesma. Raiva dessas minhas mudanças idiotas e repentinas de humor. Cara, você me faz pensar que 'tô errada. Me faz pensar que sou uma pessoa ruim. Meu dia 'tava ótimo. Ótimo. Até isso. Eu começo a achar que tudo pelo o que eu passei foi vão. Que é tudo errado, que eu sou uma pecadora sem salvação com passagem direta para o mármore do inferno. Cara, isso tudo é uma merda. E você, que mudou o meu humor. Mudou como sempre muda. Agora eu quero ouvir essa música de me arrancar a cabeça bem alta, até meus típanos explodirem. Ouvir essa música de me arrancar a cabeça até ficar louca. Ouvir essa música de me arrancar a cabeça até que eu surte novamente. Surtar que nem da última vez. lembra? Eu ainda não me recuperei sabia? E eu achei que você me ajudaria nisso. Eu achei que eu iria fazer uma merda de uma faculdade e ir embora ser feliz por aí. Ser feliz por aí, fazendo tudo o que você repudia. Mas você me faz arrancar a cabeça fora. Você e sua música. E você, outro você, que me faz achar que sou uma sem-perdão. E você, outro você, que me confunde até me deixar tonta. Tonta de cair. Tonta e enjoada de você. Enjoei de todos os vocês.

domingo, 23 de novembro de 2008

Crônicas de Neon City (Introdução e Primeiro Capítulo)

Mayara: Esse texto foi escrito em parceria com uma amiga, Sab. Foi uma idéia (mais dela do que minha) de usar álters imaginários nossos em uma cidade fictícia, criada por um amigo nosso, para mostrar nossa visão de mundo. Neon City serve para mostrarmos pedaços de cotidiano, um pouco fantasioso, claro, mas que acontece todos os dias em qualquer cidade de qualquer lugar do mundo.

Sabrina: Hoje, agora à noite, eu e Mayara decidimos criar as "Crônicas de Neon City". Pequenas observações e diálogos que acontecem entre nossas outras personalidades (criadas exclusivamente para essas histórias).
Observações e avaliações sobre ambientes, pessoas. Duas pessoas relatando o mesmo local sob pontos de vistas parecidos, mas sutilmente diferentes. Diálogos sobre o comportamento, sobre quem são (realmente) as pessoas. E o que elas escondem de todos.

Sabrina (Sab) = cinza

Mayara (May) = vinho


Primeiro capítulo:

Neon City


Visão da Sab:
Acho que só podia considerar a cidade como "neon" no período da noite, quando todos os letreiros existentes brilhavam. Durante o dia... Bem, a cidade não podia ser chamada assim. Prédios cinzas, ruas escuras, neblina quase permanente. Pessoas degeneradas, destruídas pela impureza do local.

Visão da May:
O único transporte eficaz nessa cidade de neons é o metrô. Descer escadas em dias frios para apanhá-los é um hábito comum para todos os cidadãos. Luzes amareladas e um tanto fracas formam penumbras com as formas das pessoas. Algumas sentam e lêem o jornal, desinteressadas pelas notícias sempre iguais.

O Quarto

Visão da May:
Era apenas um cubículo sem muitos atrativos. As paredes eram cobertas por um papel de parede cinza e velho. A decoração chegava a ser um tanto de mal gosto. Algumas infiltrações no teto, nada demais. Uma cama de solteiro com colchão duro. Duas cadeiras de camurça desbotada perto da única janela.

Visão da Sab:
Pequeno demais, chegava a ser claustrofóbico. Mas era o ideal para os moradores daquela cidade. Talvez não ideal... Mas o suficiente. A fechadura da porta não mais funcionava. Poucos móveis, mas o suficiente para deixar o local sem espaço. O ar parecia não entrar naquele local, fazendo com que se tornasse abafado e difícil de respirar, mesmo com a janela aberta. O estado das paredes e do teto não era dos melhores, o que significava que o dono daquele hotel não costumava receber hóspedes.

- Que lugar de merda.
- Você nunca me conta algo que eu não possa ter percebido...
- Ah, chega desses comentários ácidos. Que cara é essa?
- A de sempre... Mas o que afinal viemos fazer aqui? - indo em direção à janela.
- Você não queria respirar novos ares? Foi nisso que deu. - acende um cigarro - Quer um?
- Exatamente. Eu disse que queria RESPIRAR. A poluição dessa cidade é o suficiente para matar qualquer um. E não, obrigada.
- Ah, agora não podemos fazer mais nada. O único dinheiro que nos restava, gastamos com a hospedagem nessa joça. Como conseguiremos mais?
- Je ne sais pas...
- Cara, talvez eu consiga algo. Mas só para amanhã.
- Algo?
- É, Grana. Aquele tal do San ainda me deve algumas coisas. Ouvi rumores que ele também está em Neon City.
- Ah. É tão difícil falar as coisas de um modo que eu entenda? - abre a janela.
- Isso não importa. É coisa minha e dele, só. - senta na cama.
- Caso de um passado longínquo...? - murmurando para si mesma - Bem... Acho melhor você dar um jeito mesmo... Sinceramente, o ar daqui é carregado. Quanto antes sairmos daqui, melhor.
- Você sabe que eu sempre dou um jeito. - levanta - Quer dar uma volta?
- Bem, é melhor. Esse local é terrivelmente abafado. Quando vínhamos para esse... hotel, eu vi um coffee shop. É perto, mais ou menos uns 600 metros. Que achas?
- Ótimo.

sábado, 15 de novembro de 2008

Agente sempre acaba se acostumando. Nos acostumamos ao vizinho chato, ao professor exigente, ao irmão irritante, as festinhas de aniversário ridículas, aos comentários idiotas, ao engarrafamento, a roupa apertada, enfim, a essa vidinha de merda que o mundo nos proporciona. Engraçado que quando saio na rua tenho nojo de tudo o que vejo. Nojo da farmácia, da estrada, da garçonete, do casal apaixonado, do cobrador de ônibus, dos sapatos engraxados, do caixa eletrônico, dos pneus dos carros e das crianças agarradas às suas mães. É como uma forma de estranhamento que me causa um asco incontrolável. Chego a ter nojo de mim mesma e querer simplesmente sair da minha própria pele. Gostaria de tirar umas férias numa outra dimensão. No vazio total onde nada tivesse cor, muito menos forma. Como podem simplesmente sairem pelas ruas como se nada acontecesse? Como pode toda essa sujeira ser ignorada? Como pode ninguém mais sentir esse nojo, assim como eu? Esse nojo dos elementos diários, de palavras gritadas, de pessoas ao dormir, de cães a ladrar, do atendente da loja, da fumaça a poluir os ares, do senhor calvo, da jovem estudante, do relógio de pulso, do tempo que não passa, do semáforo de três cores, do carro popular, do colega de classe que senta ao lado, da revista de atualidades, do calor que o verão causa, da caneta com a qual escrevo. O dia 'tá acabando e amanhã é tudo de novo. Amanhã será um dia de fazer nojo.

sábado, 1 de novembro de 2008

"Coração. Não, não sentia a presença do coração. Nem de qualquer outro órgão: era como se estivesse vazio lá por dentro. Oco. Uma velhiçe em paz quando viesse. E não se aborrecia não. Com essa idéia de envelhecer. Pelo menos, ninguém mais se preocupa com a gente. Um sossego. Sim, seria bom. (...) E então. Enfim, no dia em que os homens descobrirem que melhor do que viver é não viver. Melhor do que pintar, deixar a tela em branco. O papel em branco. A perfeição. Não pensar, nem isso. Devia ter um botão em algum lugar do corpo. Um botãozinho que agente aperta e pronto, pensamento desligado. E o resto. (...) 'Mudar o que deve ser mudado', era um dos lembretes de Mariana. Lembretes do Almanaque da Bravura. Soava como mensagem do discurso de um general. Ou almirante. Almirante Hart. Existiria? Esse Almirante Hart. Enfim, besteira. Uma chatisse, ora, coragem de mudar. Coragem de não mudar, existia?"

Lygia Fagundes Telles